Actualidade de Brecht
Por alguma razão, que se prende com um mundo em que tudo muda para que tudo fique cada vez mais na mesma, a obra de Brecht e principalmente o seu modelo interventivo, não perdem interesse, nem actualidade, nem capacidade de mobilizar as novas gerações ( sempre mais generosas e disponíveis para a mudança desejada).
O teatro que ele definiu como épico para contrariar em absoluto a catárse aristotélica tem um lugar, quem sabe se cada vez maior e mais necessário, no mundo e no Portugal de hoje. Quando as primeiras peças de Brecht e os seus textos teóricos foram publicados em Portugal, em finais da década de 50 e princípios de 60, havia censura, Brecht era autor proibido, mas isso aumentava o sucesso e as vendas (ainda que subreptícias).Não podia haver espectadores, mas havia leitores, hoje uma raça em extinção. Fala-se de teatro, mas vê-se menos do que se fala, e quanto a ler...estamos conversados. Tornou-se verdadeiro o preceito futurista de Pessoa de que ler é maçada!
Aproveito e deixo aqui a citação do poema Liberdade que me lembro, noutro milénio, de ter ouvido a João Villaret:
“Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura
...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma”.
E por aí fora.
Este poema, na boca de Pessoa, é um exercício divertido de provocação, pois se houve alguma vez em Portugal um leitor ávido, foi ele. Leu tudo, no seu tempo, o que se podia ler: de história, religião, poesia, sem omitir os gregos e latinos, filosofia, sem omitir a filosofia hermética, teatro, fazendo de Shakespeare o seu grande modelo,enfim: até Einstein, Freud e James Joyce, tão recentes à época, constam da sua biblioteca pessoal!
Voltando à actualidade de Brecht: a primeira peça que traduzi foi A Excepção e a Regra, que depois o CITAC de Coimbra representou, com música de José Niza. E a última foi A Mãe, de colaboração com Teresa Balté. Uma e outra podem ser, ou devem ser, de novo retomadas, pois as suas lições são imperativas. Penso em especial, pois traduzimos essa canção para o Recital de Almada, n’ O Elogio do Estudo,
onde Brecht salienta, de forma veemente, pela boca da principal personagem, a absoluta necessidade do estudo. Só o estudo consistente, regular, aturado, permite a evolução: do saber, do carácter, da capacidade de intervenção, social, cultural e política.
Faz falta esta peça, neste momento, entre nós. Quem sabe se, depois do recital, o mundo do espectáculo a recupera para novos públicos que vejam nela, como nós vimos outrora, a grande inteligência com que Brecht aponta a necessidade absoluta de uma nova classe política que saiba o que fazer, em cada momento?
Eis o Elogio do Estudo, numa nova versão, cantável na nossa língua.
Por mim, ensinaria a cantar nas Escolas esta espécie de bandeira, contrariando o facilitismo vigente, que a todos nós prejudica e ofende.
Y.K.Centeno
Lisboa, 2008