O Conto de Flaubert “A lenda de São Julião, o hospitaleiro” e o livro único de Amadeo
Em Abril de 1877, Gustave Flaubert publicou um pequeno volume intitulado Três Contos, em rigor, a sua última obra acabada. O segundo conto chama-se “A lenda de São Julião, o hospitaleiro”. Foi o primeiro a ser escrito, e numa celeridade inhabitual, entre Setembro de1875 e Fevereiro de 1876. É provável que isso se deva à familiaridade longuíssima e intensa que ele teve com a história do santo: “Esta é a história de São Julião Hospitaleiro, mais ou menos como é contada num vitral de igreja, na minha terra”. Nestas palavras finais do conto Flaubert convida o leitor a uma investigação hermenêutica.
Executadas durante a sua estadia na Bretanha no Verão de 1912 (muito provavelmente concluídas em Paris), ano de uma fertilidade imensa para o pintor, a cópia integral a pincel e a ilustração de Amadeo Souza-Cardoso correspondem àquele desafio, ao mesmo tempo que escapam à condenação que Flaubert fazia de qualquer propósito ilustrativo da sua obra e, em particular, deste conto.
Neste contexto, trata-se precisamente de considerar as subtis e secretas interferências que se soltam das palavras copiadas a pincel, dos desenhos e das pinturas, que compõem o “exemplar-único original” de Amadeo, procurando a sua decifração. Eis o que se fará.